Verborreia Carnavalesca
Tinha tantas coisas sobre as quais escrever que quase me decidia a não escrever nada. Mas (valha-me a força do bichinho escritor) resolvi, influenciado pelo espírito de época, reflectir acerca do Carnaval. [Música de fundo se faz favor...pode ser um sambinha, tá?] Carnaval, essa bela época em que, num fenómeno falsamente espontâneo, emerge em toda a gente (ou quase) uma felicidade tão extravagante, que inquieta. Então mas anda tudo maluco ou paranóico ou quê? Como diz um colega meu, grande maluco e regente do distante e amigável planeta Argalharg, não é preciso uma época indicada para nos divertirmos. Mas o que sucede mais é uma espécie de complexo de Cabral. [Pausa para o leitor recuperar do choque.Pára a musiquinha.] Eu explico [Bota música aí de novo]: no meu entender, este querer de exagero carnavalesco é uma forma de compensar a nossa inferioridade de animação natural, por comparação aos nosso irmãos brazucas. E o Português pensa: "O quê? Então eu, descendente do venerável Afonso Henriques, que deu porrada até na mãe, descendente de uma raça de descobridores que conquistou o mundo, vou divertir-me menos que estes "caras" que só têm história desde 1500?" E então lá vai disto. [Pára o sonoro. Põe aí aquela espécie de samba que os portugueses dançam mal pra caramba nos desfiles deles.] Há uma espécie de sambistas, há cabeçudos e gigantones (mais do que no resto do ano) e é uma alegria tão falsa mas tão falsa que incomoda. É algo tão extravazante que leva típicos homens de família a vestir as roupas das mulheres nas quais batem depois de o clube perder ou de terem emborcado uns copázios lá na tasca; é uma coisa tão inquietante que leva hordas de imberbes estudantes a encharcar o cabelo em tinta verde ou vermelha e a rasgar em farripas jeans (mascarados de QUÊ? nunca percebi); é um não-sei-quê tão intrigante que leva as normalmente tímidas raparigas rechonchudinhas a exibir em todo o esplendor bamboleante o seu corpo (habitualmente escondido), com roupas de estilo minimalista Fátima Lopes. É uma época de excessos, dirão alguns. É uma época de maluqueira, dirão outros. No meu ponto de vista, é uma época cuja essência é entedível e até aceitável, e que radica numa tradição de anonimato e exaltação disfarçada de fixações habitualmente ocultadas; sendo uma tradição que vem já de tempos imemoriais, sempre foi também aproveitada para cometer actos menos próprios contra terceiros, ao abrigo da confusão generalizada e sob uma máscara que abrigue a verdadeira identidade (bem, estás cá com uma verborreia!...). Mas isso é o que fazemos o ano todo, como ser social. Escondemo-nos.