O título explica tudo, não? São teorias cá do Ventura, bem-aventuradas (se os visitantes assim o quiserem) e, apesar de paranóicas, até farão algum sentido. E...na pior das hipóteses, pelo menos darão para sorrir.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Verborreia Carnavalesca

Tinha tantas coisas sobre as quais escrever que quase me decidia a não escrever nada. Mas (valha-me a força do bichinho escritor) resolvi, influenciado pelo espírito de época, reflectir acerca do Carnaval. [Música de fundo se faz favor...pode ser um sambinha, tá?] Carnaval, essa bela época em que, num fenómeno falsamente espontâneo, emerge em toda a gente (ou quase) uma felicidade tão extravagante, que inquieta. Então mas anda tudo maluco ou paranóico ou quê? Como diz um colega meu, grande maluco e regente do distante e amigável planeta Argalharg, não é preciso uma época indicada para nos divertirmos. Mas o que sucede mais é uma espécie de complexo de Cabral. [Pausa para o leitor recuperar do choque.Pára a musiquinha.] Eu explico [Bota música aí de novo]: no meu entender, este querer de exagero carnavalesco é uma forma de compensar a nossa inferioridade de animação natural, por comparação aos nosso irmãos brazucas. E o Português pensa: "O quê? Então eu, descendente do venerável Afonso Henriques, que deu porrada até na mãe, descendente de uma raça de descobridores que conquistou o mundo, vou divertir-me menos que estes "caras" que só têm história desde 1500?" E então lá vai disto. [Pára o sonoro. Põe aí aquela espécie de samba que os portugueses dançam mal pra caramba nos desfiles deles.] Há uma espécie de sambistas, há cabeçudos e gigantones (mais do que no resto do ano) e é uma alegria tão falsa mas tão falsa que incomoda. É algo tão extravazante que leva típicos homens de família a vestir as roupas das mulheres nas quais batem depois de o clube perder ou de terem emborcado uns copázios lá na tasca; é uma coisa tão inquietante que leva hordas de imberbes estudantes a encharcar o cabelo em tinta verde ou vermelha e a rasgar em farripas jeans (mascarados de QUÊ? nunca percebi); é um não-sei-quê tão intrigante que leva as normalmente tímidas raparigas rechonchudinhas a exibir em todo o esplendor bamboleante o seu corpo (habitualmente escondido), com roupas de estilo minimalista Fátima Lopes. É uma época de excessos, dirão alguns. É uma época de maluqueira, dirão outros. No meu ponto de vista, é uma época cuja essência é entedível e até aceitável, e que radica numa tradição de anonimato e exaltação disfarçada de fixações habitualmente ocultadas; sendo uma tradição que vem já de tempos imemoriais, sempre foi também aproveitada para cometer actos menos próprios contra terceiros, ao abrigo da confusão generalizada e sob uma máscara que abrigue a verdadeira identidade (bem, estás cá com uma verborreia!...). Mas isso é o que fazemos o ano todo, como ser social. Escondemo-nos.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Um Sistema de Sucesso

Às vezes é engraçado ouvir um fulano dizer, quando sabe que eu sou professor: “Ah, isso de dar aulas é a coisa mais fácil que há.” E até tem piada quando um sicrano acrescenta: ”Pois é: recebem bem, têm férias todo o ano…” Deixo-os gozar esse momento de delírio sobralcidesco e então junto-me à paródia e digo, eu beltrano: “Ah… e por acaso as aulas dão-se?” (mal sabem eles que, nas condições actuais, a juventude lusa cada vez menos está disposta a receber aulas… Neste estado de coisas, acho que nem vender aulas, quanto mais dar!) E, sem pausa, acrescento, em jeito de desbloqueador de conversa: “Ah, já agora: sabem que a docência é a profissão com velocidade record no que toca ao esgotamento neurológico?” Recorrendo à língua inglesa, elucido:”Pois é, esse processo tecnicamente designa-se por burnout, o que, traduzido, significa qualquer coisa como consumir até à extinção.” Continua a parecer um mar de rosas? É mais um oceano de cactos.É verdade que, cada vez mais, docentes rima com doentes. E a patologia não é de difícil diagnóstico, porque alunos rima cada vez menos com estudantes. Se as criaturas que temos à nossa frente agem, no espaço que outrora se designava por sala de aula, como se de um zoológico se tratasse, não acham que é um “bocadito” complicado ensinar? Uma pessoa nem sequer se consegue fazer ouvir, muitas das vezes…Se entre telemóveis, revistas, discmans, bonés e até maços de cigarros (!) não sobra sequer espaço nas secretárias para o material escolar, como é possível pretender organizar algum trabalho?O raciocínio das entidades responsáveis pelo Ensino em Portugal é talvez a grande explicação para a enfermidade dos professores. Estou a ser tendencioso? Talvez não. Ora sigamos a lógica das chefias. Há alunos com problemas de aprendizagem relacionados com falta de trabalho e síndroma da preguicite? Arranja-se um relatório psicológico e baixa-se o nível de exigência! Há alunos que têm dificuldades de concentração porque o avô do primo esteve preso por um crime de faca e alguidar que deixou traumas até à oitava geração? Arranja-se um relatório psicológico e baixa-se o nível de exigência! Há alunos que já são avaliados por “objectivos mínimos”? Arranja-se um relatório psicológico e baixa-se ainda mais o nível de exigência? (Não pode ser? Tem que poder! Arranja-se uns “objectivos ainda mais mínimos”!)E com isto tudo, lá têm que se abater mais umas árvores, para dar vazão à quantidade de papelada necessária, faz-se a cama aos meninos, “coitadinhos”, porque “Portugal já não é um país de analfabetos” e blá blá blá. Tudo transita minha gente, nem que seja só por saber escrever o nome, e pronto, temos um sistema de sucesso. E se houver algum problema, a culpa é dos professores. Obviamente. Porque quando uma equipa de futebol faz jogos miseráveis, a culpa é sempre do treinador.Talvez este desabafo esteja inflacionado – será pelo facto de eu trabalhar numa escola de subúrbio onde já uma boa meia-dúzia de professores esteve ou está de atestado médico por sintomas de depressão? Talvez a minha opinião seja demasiadamente pessimista – será por este ano leccionar num estabelecimento caracterizado pelo peculiar número semanal de participações disciplinares por turma, pela presença diária de elementos da Polícia ou até pelas invasões já perpetradas por encarregados de educação em fúria? Talvez haja algum exagero na minha análise – será por ter ouvido, algumas vezes de forma velada e muitas vezes de forma explícita, insultos à minha pessoa, dentro da aula? Ou será por ter turmas de vinte e muitos alunos, dos quais 90% (ou mais) vêm para a escola para jogar à bola, ouvir música e fumar coisas acabadas em “arros”?Talvez seja preciso, para citar os mais velhos, “voltar ao antigamente”. Porque alunos com problemas familiares, com dificuldades de aprendizagem, com carências sócio-económicas sempre existiram. Mas havia níveis de exigência razoáveis. E era preciso trabalhar. Professores melhores ou piores sempre houve. Mas havia respeito, dentro e fora da sala de aula. Sejamos objectivos: o facilitismo é hoje em dia a trave mestra do ensino. E isso só agrava a já gritante desestimulação cerebral de uma sociedade telemovelística e telenovelística, na qual os alunos têm à disposição, precocemente, tudo o que não deviam ter. E tornam-se autênticas múmias, sem espírito de curiosidade, sem capacidade verbal, sem horizontes sociais. Salvem-se as excepções.Para o caso de o leitor estar com dúvidas…Sim. Estou a falar de situações quase-paranóicas referentes a alunos de 2º e 3º ciclos do Ensino Básico. Nessas idades, muitos deles não são estudantes no sentido académico, mas em matérias alternativas já são mais que doutores…

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Ó Tempo, Olha P'ra Trás...

Como as coisas (des)evoluem... Ah (suspiro!), a grandiosidade e beleza de objectos de culto como os grandes rádios de estilo anglo-germânico, os grandes televisores tipo aquário, os imponentes relógios de pêndulo... Tudo isto substituido por leitores mp3 minúsculos, aborrecidos plasmas cinza prateado ou relógios de telemóveis (sim, porque a malta nova quase desconhece relógios reais!). Mas o pior não é o facto de as coisas evoluirem - é necessário, até porque senão ainda estávamos a fazer música batendo com clavas nas cabeças uns dos outros ou a orientarmo-nos pela posição do sol. Mas o que sucede é que a evolução tecnológica ("choque", como diz o nosso primeiro) tem sido assaz apressada, o que nem nos dá tempo para apreciar uma novidade durante mais de três ou quatro...horas! Assim que nos achamos no topo do mundo porque já temos aquele gadget último grito (AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!!!), olhamos para o lado e vemos que durante aquela meia-dúzia de minutos que decorreram entre a escolha e o pagamento, na caixa da Worten ou da Fnac, já foram lançados mais trezentos e sessenta e dois modelos, com o dobro das funções e o triplo do estilo fashion... Já lá vai o tempo (ricos 80's!) em que um qualquer teenager que tivesse um "portentoso" walkman era o rei do recreio, com toda a gente a invejá-lo um ano lectivo inteiro porque lá em casa só tinham um rádiozeco de marca duvidosa que enrolava a fita das cassetes até as partir. Hoje em dia...o pessoal júnior sai das salas de aulas, tira um leitor mp3 do bolso (cada um), pega num telemóvel (às vezes em dois) e avança, indiferente, pela massa de gente que, independentemente do status ou condição económica, não passa sem tais maquinetas. Eu cá ainda me lembro do tempo em que era estudante de secundário, em que a malta se reunia à volta de um daqueles rádios enormes (tipo rádio de rappers do Bronx) e dançava e cantava, num espírito quase Woodstock, quer nos finais do período quer em animadas visitas de estudo, dentro do autocarro. E depois punha-se a tocar umas cassetes com slows, para o pessoal do marmelanço... E não havia cá paranóias de agarramento compulsivo a télélés ou a "nanoaparelhagens" como a juventude tem agora! Nunca pensei dizer isto (que ouvi centos de vezes dos meus pais), mas...nesse tempo é que era! Estou velho? Se calhar...

Mais perto do que é importante


Rede, saldo e bateria. Podia ser o título de uma canção do José Cid (tipo “Ontem, hoje e amanhã”), mas não é. São mas é as preocupações fundamentais da esmagadora maioria dos adolescentes (e de cada vez mais pseudo-adultos…) da sociedade portuguesa actual.Uma conversa de liceu que não inclua estes vocábulos é concerteza retirada de uma escola do século passado – bons velhos tempos esses, em que as pessoas conversavam cara-a-cara, escreviam cartas ou se telefonavam pela rede fixa. Nessa era dourada as pessoas não passavam o tempo a mandar parvas mensagens SMS por tudo e por nada, a fazer figuras de urso à procura da desejada rede, a gritar sozinhos no meio da rua ou a desmontar as desgraçadas máquinas porque se acabou a bateria e é preciso (como se disso dependesse a sobrevivência!) encontrar alguém que nos empreste outra!Há quem argumente: “Pois, mas isso é um fenómeno mundial, são os custos do progresso, pa ta ti pa ta ta…” Qual custo do progresso, qual quê!!! Para os poucos que ainda não sabem, Portugal é talvez o único país em que há mais telefones celulares do que o número de habitantes! Sim, leu bem: MAIS TELEMÓVEIS QUE PESSOAS! Isto leva-me a duas questiúnculas: 1- “Quem foi o parvo que disse que o país está em crise?”; 2-“Para que raio é que o Português médio precisa tanto de telemóveis?”Um estrangeiro com acesso a estes dados tiraria duas conclusões: 1- o nosso país é muito rico e tem condições de vida invejáveis; 2- o nosso país está cravado de homens/mulheres de negócio. Que outras razões lógicas pode uma pessoa civilizada apontar como justificação para esta praga? Como é que esse estrangeiro poderia acreditar que miúdos que alegam falta de rendimentos familiares (que nem material escolar têm), andam na escola a exibir telemóveis topo de gama? Como é que poderíamos fazer alguém perceber que, em famílias abrangidas pelo Rendimento Mínimo Garantido, todos os membros possuam celulares, usando boa parte do dinheiro (que sai dos nossos bolsos!), para pagar os carregamentos? Não…não dá para entender, pelo menos para um observador externo. No entanto nós por cá sabemos da ilógica do pensamento tuga, no qual impera esse vício tão portuguesito do show off. Um lusitano que se preze vai a qualquer sítio de telemóvel na mão, ostentando a sua “máquina” para mostrar aos mais ricos que também tem, que também pode. O problema é que não deve. Ou melhor, muitas vezes até deve…deve mas é as contas em atraso na mercearia! Agora deixar de ter o telemóvel, isso é que não!Não discordo que, nesta sociedade de consumo, as pessoas devam ter determinadas comodidades, se conseguirem. Não obstante, dois pontos: 1- o telemóvel não deveria constituir uma necessidade prioritária para uma boa porção de pessoas (e é nessas que a obsessão é mais visível); 2- mesmo podendo efectuar esse tipo de compras, qualquer indivíduo deve ser racional, duas vezes (lógico e poupado). Pelo andar da carruagem, qualquer dia um puto de 2 anos que agora não tenha télélé com câmara hi-tech, 300 toques polifónicos amaricados e 1358000 cores, vai ser considerado um desgraçado por outros que até passam fome, mas têm um XPTO-3G turbo!É por isso que os telemóveis deveriam ter carta de condução – se é preciso requisitos para usar um “auto” que é móvel, o mesmo deveria passar-se com um “tele” que é móvel. Só aos 18 anos deveria ser permitido, após um exame que comprovasse a sanidade mental do indivíduo, ter o primeiro telemóvel, um “ligeiro” que servisse funções basicamente de comunicação. Aos 21 anos, se não tivesse havido grandes infracções, poderia passar a transitar com um modelo mais “pesado”, com outras características. E por aí adiante.Por isso espero sinceramente (mas com poucas esperanças) que venha a reduzir a quantidade de telemóveis oferecidos às crianças. Comuniquem com eles directa e pessoalmente; talvez a mensagem seja entregue de forma mais rápida, porque a voz e os gestos são mais importantes. E nunca têm falta de rede, saldo ou bateria.